Herbicidas com glifosato ainda são usados em jardins de algumas freguesias de Lisboa
O Ministério da Agricultura assegurou recentemente que o uso do glifosato em espaços públicos será proibido em todo o país. O Corvo, dando seguimento a informações que já circulavam, há alguns meses, entre diversos grupos de activistas, pôde confirmar que diversas freguesias da cidade de Lisboa continuam a usar em espaços verdes este químico, catalogado como cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde.
No passado dia 30 de agosto, o portal de notícias guilhotina.info publicava uma informação, fundamentada em fotografias e em vários contratos assinados por algumas freguesias de Lisboa com empresas como a Hidurbe ou a Sograma Jardins, onde afirmava que os herbicidas usados por estas empresas continham o químico glifosato. Além do guilhotina.info, há vários meses que diferentes colectivos têm vindo a denunciar que as freguesias do Lumiar, de Carnide, de Alcântara e dos Olivais ainda utilizam herbicidas com glifosato para fumigar parques e jardins públicos.
O glifosato é o herbicida mais utilizado em Portugal e, na verdade, em toda a Europa, e em relação ao qual a Agência Internacional para a Investigação do Cancro, membro da Organização Mundial de Saúde, assegura que “há provas limitadas” de que seja cancerígeno.
A controvérsia que envolve este herbicida vem dominando, há vários anos, as discussões entre vários sectores da ciência e da sociedade. Por um lado, há uma parte da comunidade científica que assegura ser o químico uma provável causa de cancro (como a centenária Ordem dos Médicos); por outro, há quem garanta não existirem estudos conclusivos que o comprovem.
Esta posição é partilhada pelas empresas que maior interesse têm em que o herbicida seja declarado inofensivo, como a Monsanto, a Dow, a Bayer ou a Syngenta – em oposição às associações ecologistas e activistas contra os transgénicos, herbicidas e pesticidas químicos. A questão permanece num impasse no seio do Parlamento Europeu, pela falta de acordo do comité de peritos que deveria ter dado uma resposta definitiva no passado dia 30 de Junho.
A verdade é que, de Abril de 2011 a Julho de 2016, a Assembleia Municipal de Lisboa emitiu três recomendações à Câmara Municipal pedindo a interrupção imediata do uso de glifosato em espaços públicos. No entanto, tais orientações, derivadas dos pedidos dos grupos do Partido Ecologista Os Verdes, do PAN-Pessoas-Animais-Natureza, do Bloco de Esquerda e da Plataforma Transgénicos Fora, não chegaram a ter aplicação prática. Isto a pesar de, a 6 de Julho, o ministro da Agricultura, Luís Capoulas dos Santos, ter declarado que a proibição do uso de glifosato em zonas residenciais chegaria, muito em breve, a todo o país.
Em colaboração com a página informativa guilhotina.info e a plataforma Lisboa Livre de Glifosato, O Corvo teve conhecimento de vários acordos por parte das freguesias do Lumiar, de Carnide, de Alcântara e dos Olivais com algumas empresas fornecedoras de glifosato, que tiveram lugar já após o terceiro despacho da assembleia, bem como as declarações de Capoulas dos Santos.
Concretamente, a freguesia do Lumiar, a 1 de Março deste ano, assinou um contrato no valor de 23.592 Euros, com vista à “aquisição de serviços de manutenção e conservação de espaços verdes” com a empresa Hidurbe, propriedade da Somague – por sua vez, membro do grupo espanhol Sacyr. Nas cláusulas do contrato, é especificada a duração do serviço, que “decorre até 30 de abril”. No entanto, na lista de contratos públicos assinados pela Hidurbe (datados de Agosto de 2014 a Agosto de 2016, e que, entre municípios e freguesias de todo o país, somam aproximadamente 3 milhões de euros), aparece novamente a assinatura do contrato, em Julho deste ano, com a freguesia do Lumiar.
Em depoimentos prestados a O Corvo, o presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Pedro Delgado Alves (PS), reconhece que, em Abril deste ano, se havia suspendido a utilização do herbicida —denominado Glifotop Ultra e distribuído pela empresa israelita ADAMA Agricultural Solutions— por motivos climatológicos, tendo o mesmo sido usado em diversos espaços públicos durante, pelo menos, os meses de Junho e Julho. Isto implica o uso do herbicida exactamente na altura em que a Assembleia Municipal emitia o seu terceiro despacho. Um morador de Lumiar, que prefere manter o anonimato, relatou à Lisboa Livre de Glifosato (LLG) que o uso do referido herbicida também se estendeu pelo mês de Agosto.
Apesar de Pedro Delgado Alves ter afirmado, em declarações à Lisboa Livre de Glifosato (LLG), que a freguesia do Lumiar exercerá o seu direito de utilização de glifosato até Dezembro deste ano, o próprio assegurou a O Corvo que a Junta se comprometeu na procura de soluções alternativas ao uso de herbicidas químicos.
Alves explica que o contrato com a Hidurbe fora assinado numa altura em que a conservação de parques e jardins era competência da Câmara Municipal de Lisboa e que, além disso, o ano de 2016 é um período de transição em que se têm vindo a estudar novas formas menos agressivas no cuidado dos espaços verdes. Actualmente, ainda segundo o autarca, a freguesia pondera a utilização de outras medidas de pulverização como soluções à base de sal ou vinagre de álcool, em parceria com associações ecologistas como a Agrobio (Associação Portuguesa de Agricultura Biológica).
O Corvo teve conhecimento de que, no mesmo mês de Julho, e apesar de a Junta de Freguesia de Carnide ter antes assegurado ao grupo de estudo da Assembleia Municipal que abandonaria o uso de glifosato em Junho, “quando acabar o stock”, a junta aprovou a aquisição de herbicida para o seu posterior uso no mesmo mês. Segundo declarações de moradores feitas a LLG, foi aplicado “em pleno espaço público/habitacional”.
Segundo a lista de contratos assinados pela Junta da Freguesia de Carnide, a aquisição do herbicida, publicada inicialmente no dia 6 de Julho, foi feita à Stivik Pro, empresa sedeada em Sintra. O presidente da Junta, Fábio Sousa (PCP), explica-se a O Corvo: “A junta procedeu a esta aquisição, mas, logo que surgiram as orientações, deixámos de utilizar este herbicida, ou seja, na realidade, não chegámos a gastar”. E acrescenta que a autarquia “começou logo a recorrer à deservagem mecânica, através de uma máquina roçadora, sem recurso a productos químicos”.
A 23 de Agosto, a Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica publicava, na base de dados online do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), um contrato de “Aplicação de herbicida e diversos arruamentos da freguesia”. O contrato fora assinado com a empresa Parques e Jardins, Projectos e Construções, a 23 de março. No entanto, à semelhança do Lumiar, tiveram que suspender a sua aplicação, retomando-a no verão.
Segundo Helena Palma, arquitecta paisagista da Junta da Freguesia de São Domingos de Benfica (PS), a suspensão deveu-se às numerosas questões por parte de moradores e associações relativamente ao herbicida usado. No entanto, Palma pôde apenas confirmar que a empresa utilizará os herbicidas permitidos por lei e cuja lista – ao que O Corvo pôde apurar na página da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária – inclui uma vasta lista de produtos à base de glifosato comercializados por empresas como a Monsanto, a Cheminova, a Probelte, a Bayer, a Selectis ou a Dow.
A utilização de alguns destes químicos foi aprovada a nível nacional até Dezembro de 2017. A Junta de Benfica não forneceu a esta publicação o nome do herbicida usado na sua freguesia pela empresa Parques e Jardins.
O grupo de trabalho da Assembleia Municipal de Lisboa não conseguiu obter quaisquer informações da Junta de Freguesia dos Olivais (PS) – o mesmo aconteceu com as de Alcântara (PS), Santa Maria Maior (PS), Santo António (PSD), Santa Clara (PS) e de São Domingos de Benfica (PS)-, mas O Corvo teve conhecimento da utilização deste herbicida, pelo menos, em Olivais Norte.
Apesar da Junta dos Olivais ter publicado, no seu jornal de Julho/Agosto, que já havia começado a experimentar herbicidas à base de vinagre de álcool, reconhecia, na mesma nota, que, na verdade, a solução que estava a ser utilizada era uma mistura entre vinagre e herbicida Arbonal Star 45, químico produzido pela empresa Cheminova, que contém glifosato. Uma nota de aviso de colocação de herbicida afixada na Rua Francisco Mantero (à qual tivemos acesso, através de uma fotografía enviada por um morador anónimo) comprova o uso desta solução, pelo menos, durante o mês de Setembro. O Corvo tentou ouvir a junta dos Olivais sobre o assunto, mas não obteve resposta até à publicação deste artigo.
Já sobre a Junta de Freguesia de Alcântara (PS), a LLG asegura que lhes foi comunicado que se encontravam em proceso de estudo de alternativas, mas que o uso de glifosato poderia alargar-se por todo o mês de Agosto. Igual ou semelhante resposta chegou da Junta de Avenidas Novas (PSD), tendo esta assegurado que se tinha suspendido a utilização do herbicida. Mas a edilidade garante que, “se necessário, pondera utilizar de forma estrita, enquanto a lei o permitir”.
O Corvo pôde apenas confirmar a aquisição de herbicidas sem glifosato (à base de vinagre de álcool) por parte das freguesias de Alvalade e Marvila, a 1 e 11 de agosto, respectivamente, à empresa Contemp-Companhia dos Temperos, com sede em Santarém.
Igualmente, a freguesia do Parque das Nações assegurou, através de Luísa Rego, do gabinete de comunicação, que a junta desta freguesia já não utiliza glifosato, estando actualmente a investigar alternativas mais respeitosas da saúde e do meio-ambente. Não foi possível apurar se as freguesias não mencionadas neste artigo têm usado ou usam glifosato em caso nenhum.
*Se quiser saber mais sobre o glifosato e o uso de alternativas, no dia 28 de Outubro, a plataforma Lisboa Livre de Glifosato e a Quercus organizam o encontro “Autarquias sem Glifosato”. O mesmo terá lugar, entre as 14h30 e as 18h, no auditório da Junta de Freguesia da Estrela (freguesia também organizadora do evento).