Mesmo extinta, EPUL lança mega-urbanização no Vale de Santo António

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Samuel Alemão

Texto & Fotografia

URBANISMO

Beato

14 Fevereiro, 2014


António Costa diz querer apostar mais na reabilitação e menos na construção nova. O que, a par do enorme passivo, serviu para justificar o fim da EPUL, no ano passado. Decisão tomada após a empresa, em 2012, não ter conseguido encontrar investidores para a urbanização do Vale de Santo António. Mas o licenciamento do seu loteamento aparece agora em consulta pública. Está previsto um shopping com 41 mil metros quadrados.

Apesar de extinta por decisão da Assembleia Municipal de Lisboa, a 28 de Maio de 2013, a Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) tem em consulta pública duas operações de loteamento de grandes dimensões por si requeridas para o Vale de Santo António, junto à Avenida Mouzinho de Albuquerque. Desde a semana passada (dia 4) e até por pouco mais de uma semana (dia 24), podem ser conhecidos em detalhe os processos – 2/URB/2012, para o loteamento 01 (L01), e 3/URB/2012, para o loteamento 02 (L02)– referentes à construção de um conjunto habitacional com 970 fogos, lojas, serviços, dois silos automóveis, um parque urbano e uma grande superfície comercial, cuja área de construção será de 41.000 metros quadrados.

Esta operação da EPUL constitui, assim, o retomar de uma intenção já antiga da Câmara Municipal de Lisboa – que assumiu todos os activos, passivos (85 milhões de euros, no momento da sua extinção) e trabalhadores da empresa cuja dissolução foi por si votada a 5 de Dezembro de 2012. A dimensão da operação agora em consulta – 5,6 hectares destinados a loteamento e 138 mil metros quadrados de área de construção – acaba, porém, por ser algo surpreendente, tendo em conta que um dos argumentos utilizados para extinção da empresa foi o de “a sua função essencial de urbanização da cidade estar esgotada”. Essas foram mesmo palavras usadas por António Costa, tentando convencer os membros da assembleia municipal da necessidade da drástica medida, tomada sob forte contestação de uma parte da oposição e dos trabalhadores da EPUL.

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Local onde deveria ter nascido o Arquivo Municipal de Lisboa e que será urbanizado.

O certo é que os projectos dos loteamentos L01 e L02, em conjunto, ocuparão uma área para a implantação do edificado superior a 30 mil metros quadrados e propõem a criação de um “centro cívico” alicerçado numa grande superfície comercial. Acima dela, erguer-se-ão duas torres de 12 pisos e um prédio de seis pisos. Existe lugar ainda para comércio de proximidade e dois autossilos, um deles com capacidade para 1200 viaturas. Ambos os processos  de loteamento obedecem a regras definidas no Plano de Urbanização do Vale de Santo António (PUVSA), aprovado em 2012, ano em que os presentes documentos de licenciamento dos loteamentos foram, em grande medida, redigidos – embora apenas tenham sido ultimados em Janeiro passado.

Na verdade, todo este processo já é antigo. E recheado de polémicas. A versão agora posta a apreciação pública é bem mais modesta do que aquela que foi dada a conhecer pela EPUL, em Junho de 2006. Na altura, a ideia passava por intervir  em 44,7 hectares – dos quais 29,6 hectares destinados a urbanização – desta zona situada no enfiamento de dois vales e com vista sobre o Tejo. O referido “centro cívico” englobaria, além da enorme área comercial, edifícios de escritórios, um hotel de 150 a 200 quartos, um heliporto, uma estação de uma futura linha de Metro Ligeiro de Superfície e uma biblioteca-centro cultural. Esta última obra, que deveria funcionar sobretudo como a sede do Arquivo Municipal, era apresentada como a jóia da coroa do projecto. Mas a autarquia acabou por desistir da ideia, devido aos custos que acarretaria. O projecto foi considerado, por muitos, como excessivo em termos de área construtiva.

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Projecção tridimensional do Parque Urbano constante da memória descritiva.

Passados oito anos, houve mudanças, uma redução de escala. Mas muitos elementos mantêm-se. Se o loteamento L01 é constituído, essencialmente, por blocos de habitação (num total de 301 fogos) e espaços comerciais, a peça principal desta operação será, sem dúvida, o loteamento L02. Este é considerado, na memória descritiva do projecto, como “o ‘centro’ geográfico e programático da área de intervenção do PUVSA, englobando o conjunto edificado constituído pelo designado ‘Centro Cívico’, que, na sua relação com o Parque Urbano proposto, constitui o ‘referencial urbano de uma nova centralidade, a marca identitária de renovação deste pedaço de cidade”. O documento salienta ainda a criação de espaços verdes, a valorização da topografia existente e das redes viárias.

Mas a grande aposta vai mesmo para o “shopping” – a situar “numa área que, em articulação com a topografia existente, permitirá a continuidade entre o Parque Urbano e o Edificado, permitindo a criação de espaços públicos que usufruam e enfatizem os principais enfiamentos visuais sobre o rio”.  Depois de salientar que a zona B.23 (constituída pelo referido centro e as três torres a ele associadas) admite “uma área máxima de construção de 100.000m2”, o documento avança: “Propõe-se a criação de uma plataforma destinada ao uso de comércio, gerando à cota +62.10m um espaço público que, na continuidade do Parque Urbano inserido no loteamento L04, permitirá a usufruição das vistas definidas na Planta de Zonamento do PUVSA enquanto Alinhamentos Visuais’”.

Refere-se ainda que a “definição arquitectónica dessa plataforma (percursos, áreas de cedência de passagem, volumetria) será definida em sede de projecto de licenciamento de arquitectura”. A memória descritiva deste loteamento maior (L02) apresenta, porém, duas imagens com simulações tridimensionais do que é proposto.

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