Moradores de Marvila querem zonas verdes nos descampados do bairro em vez de prédios de renda acessível

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Sofia Cristino

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Marvila

21 Janeiro, 2019

Os habitantes dos bairros Marquês de Abrantes e Alfinetes, em Marvila, submeteram, no mês passado, uma proposta ao Orçamento Participativo (OP) de Lisboa para a criação de uma zona verde. E sugeriram que o novo espaço de lazer, um desejo muito antigo dos moradores, surja nos descampados nas traseiras da biblioteca de Marvila. Os autores da proposta não esperavam, porém, que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) anunciasse a construção de habitação de renda acessível exactamente nos mesmos terrenos. Se a proposta ganhar no OP, esperam chegar a acordo com o município para a construção do jardim. Garantem ainda nada terem contra a vinda de mais pessoas para a freguesia, mas criticam o que consideram a excessiva preocupação da autarquia em construir mais imóveis, deixando de lado muitas prioridades de quem já lá vive. “Não faz sentido recebermos novos moradores sem estes equipamentos básicos”, critica um residente.

A Quinta do Marquês de Abrantes, em Marvila, já foi um dos maiores aglomerados de barracas da zona oriental de Lisboa. De cara lavada, o bairro social – em conjunto com o bairro dos Alfinetes e Salgadas e o Pátio do Picadeiro – prepara-se agora para receber mais 363 habitações, no âmbito do Programa Renda Acessível, da Câmara Municipal de Lisboa (CML). O projecto urbanístico, aprovado em reunião privada do município, no passado dia 21 de Dezembro, vai surgir no descampado ao lado da Escola Básica 2,3 de Marvila, e ainda nos terrenos localizados entre as ruas João José Cochofel, António Gedeão e a Luís de Sttau Monteiro. Quem lá vive quer ver o bairro a rejuvenescer, mas considera haver outras prioridades e que a mudança tem de ser feita noutro sentido. A biblioteca de Marvila, inaugurada apenas há dois anos, no meio do bairro social da Quinta do Marquês de Abrantes, tem funcionado como o pólo cultural que fazia falta a uma zona ainda muito estigmatizada. A construção deste equipamento social não colmata, porém, um dos maiores problemas da freguesia: a falta de um espaço de lazer ao ar livre.

“As crianças brincam no meio da rua, e havendo descampados enormíssimos nos terrenos em redor da biblioteca, não faz sentido nenhum não existir um jardim. É necessário um sítio para estarem em segurança”, diz Cristina Santos, moradora. Atenta às exigências da freguesia, onde vive há 17 anos, juntamente com outros moradores, submeteu uma proposta ao Orçamento Participativo de Lisboa de 2018, para a criação de “um espaço público qualificado, um jardim, um lugar de encontro, convívio e lazer”. “Os idosos permanecem à porta do café, e já vi senhoras de mais idade a fazerem croché em recantos isolados. Os jovens também ficam nas pracetas até tarde, fazem barulho e perturbam os moradores, por falta de um local de convívio”, explica.

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A Biblioteca de Marvila trouxe uma nova qualidade de vida à zona, que os moradores temem ver agora diminuída

Marvila é a segunda freguesia com mais habitantes de Lisboa. Grande parte do edificado foi construído recentemente e há vários projectos imobiliários e de regeneração urbana para aquela parte da cidade. Cristina Santos acredita, por isso, que agora faz ainda mais sentido construir novas infra-estruturas para uma zona em crescimento. “O parque infantil que existe na freguesia põe em risco a segurança das crianças. Está degradado, os baloiços têm parafusos à solta e o plástico do escorrega está partido”, diz.

 

Quando a moradora foi viver para Marvila, conta, o bairro “estava todo abandalhado”. Aos poucos, renovou-se, mas ainda há muito por fazer. “Não vejo problema na criação de habitação acessível, mas, em Marvila, há dezenas de casas fechadas. Acho que fazia mais sentido ocuparem-se os imóveis vazios, primeiro, e só depois se construir. O programa de renda acessível é um negócio, como outros programas de habitação da Câmara de Lisboa. Continuam a haver casas ocupadas ilegalmente e vazias”, critica.

 


 

Num inquérito realizado, no ano passado, pela Rede Rés-do-Chã – no âmbito do programa municipal BIP/ZIP -, aos moradores, comerciantes e representantes de entidades locais dos bairros Marquês de Abrantes, Alfinetes e Salgadas, 98% das pessoas sugeriram que as zonas descampadas sejam ocupadas com um jardim, espaços desportivos e equipamentos destinados às crianças. E O Corvo constatou no local tais anseios.

 

“Tenho quatro netas e, quando quero brincar com elas, tenho de pegar no carro e ir para o Parque das Nações. Falta tanta coisa aqui e a prioridade é construir mais prédios?”, questiona João Conceição, 55 anos, ali morador há vários anos. Além da construção de um parque infantil, pede um lar ou uma zona de convívio para os idosos. “A população está muito envelhecida e nem há um jardim para jogarem às cartas. Os espaços comerciais fecham muito cedo e, à noite, falta iluminação, tornando-se mais inseguro”, alerta.

 

 

Sentado à porta de um café, um dos poucos espaços de convívio do bairro, José Moreira, 83 anos, observa os terrenos baldios em frente à Biblioteca de Marvila, para onde está prevista a construção de novos prédios de renda acessível. “Isto está abandonado há anos, há muito lixo, ratos e cobras. Faz-nos falta um sítio para estar, nem uma árvore para fazer sombra temos”, lamenta um dos moradores mais antigos.

 

António Silva, 34 anos, vive ali há menos tempo, e sente falta do mesmo. “Não há nada para os idosos estarem, nem para os miúdos, que são muitos nesta freguesia, brincarem. Quando querem jogar futebol, por exemplo, vão para o meio da rua e é perigoso”, lamenta. António Silva sugere ainda que se construa um ginásio ao ar livre para os mais velhos fazerem exercício, um parque infantil, e que se instale mais iluminação nas ruas. “Não tem lógica nenhuma construir-se mais, deviam era dar mais atenção ao que falta construir. Esta zona é, essencialmente, de dormitório e, aos fins-de-semana, temos poucos sítios para estar. Não faz sentido recebermos novos moradores sem estes equipamentos básicos”, critica.

 

 

Marina Gouveia, 43 anos, não se sente tão chocada com a edificação de mais prédios. Tem, contudo, várias sugestões a fazer para aquela parte da cidade. “Mais vale ter prédios do que ter este descampado horrível. Mas, se pudesse escolher, acho que deviam construir um pavilhão desportivo, para as crianças da EB 2,3 de Marvila. Quando chove, não fazem desporto, e assim seria uma forma de fazerem”, pede a moradora. A viver no bairro fabril do século XIX, há vários anos, a moradora tece elogios à construção da Biblioteca de Marvila, inaugurada há dois anos, e pede que não “a tapem com prédios”. “A biblioteca foi uma excelente ideia, acho que o bairro até está mais calmo. Os miúdos passaram a ir para lá, em vez de estarem na rua a fazer disparates. Entra muita luz lá dentro e, com os novos imóveis, vai ficar mais escura”, antevê, enquanto espera por um autocarro da Carris para o centro de Lisboa.

 

Ao lado, Luís António, 49 anos, partilha a mesma opinião da vizinha e critica os gastos supérfluos dos órgãos de poder local. “Quando começaram a construir prédios nestes bairros, gastaram muito dinheiro a escavacar este descampado, para nada. Com se vê, está abandonado. Precisávamos muito de um pavilhão desportivo ou um campo de futebol para os miúdos”, sugere, apontando para os terrenos vazios em frente à biblioteca. Jorge, 55 anos, também não está satisfeito com os planos da autarquia. “Isto está cheio de prédios, qual é o motivo para se fazerem mais? Porque não plantam árvores? Há uma grande irresponsabilidade dos governantes de Lisboa em encontrarem um equilíbrio na forma como constroem e pensam a cidade”, aponta este trabalhador naquela área da cidade.

 

 

Os habitantes de Marvila poderão ver estas ideias a ganharem forma quando forem conhecidos os resultados do Orçamento Participativo da Câmara de Lisboa. Na proposta, intitulada “Transformar com Jardim”, submetida no passado dia 13 de Dezembro, sugere-se a criação de “um local de encontro e convívio destinado a crianças, idosos e famílias” e de mais zonas verdes. “Propomos a criação de um espaço verde que fortaleça o Corredor Verde Oriental, e que seja um exemplo emblemático de Lisboa enquanto Capital Europeia Verde em 2020”, lê-se na proposta, já disponível no site da Câmara Municipal de Lisboa (CML).

 

Os moradores pedem, ainda, mais “árvores e diversas espécies vegetais”, “áreas sombreadas, equipamentos desportivos e de estadia, destinados às crianças e jovens, uma necessidade que, garantem, é “sentida por todos”. Sugerem que o jardim seja construído no terreno descampado, definido pelas ruas João José Cochofel e Severo Portela, e que se estenda pelo terreno que acompanha a linha de comboio e faz a ligação entre os vários bairros da freguesia de Marvila (Alfinetes e Salgadas, Marquês de Abrantes, Quinta do Chalé, Prodac e Marvila Antiga). Na proposta, lê-se ainda, os espaços públicos e lugares de encontro, na freguesia, “são escassos e pouco qualificados”.  Por esse motivo, propõe-se não só a criação de um jardim, mas de “um lugar de excepção”, que contribua para “fortalecer relações de vizinhança” e “aumentar o sentimento de pertença”.

 

O presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José Videira (PS), em declarações a O Corvo, apoia as reivindicações dos habitantes, e diz não haver motivos para estarem preocupados. “Os moradores foram confrontados com a vontade da Câmara de Lisboa em fazer habitação acessível e ficaram com medo que a vinda de mais edificado não lhes permitisse ter um espaço de lazer. São receios fundamentados, mas podem ser exagerados, porque sei que a Câmara de Lisboa tem vontade de harmonizar as duas vontades”, diz. O autarca socialista elogia as transformações do bairro e espera que, em breve, os habitantes possam ter o jardim tão ansiado. “Fazem falta espaços verdes, não podia estar mais de acordo. A câmara tem de explicar o projecto e garantir a construção de zonas de lazer. A freguesia hoje está muito mais consolidada, e a vinda de mais pessoas, de outras classes sociais, vai dar mais dignidade ao bairro. Precisamos de gente nova”, conclui.

 

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