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O SAAl em fotografias no CD25A:
História
 




O SAAL E A ARQUITECTURA

José António Bandeirinha

Reunido no início de Novembro de 1976, o 6º. Conselho Nacional do SAAL decide a elaboração de um Livro Branco. A intenção era perceptível, dois anos de actividade estavam sob genérica suspeita de acusações que a própria tutela institucional tinha proferido, o Director Nacional estava demissionário e era urgente divulgar o trabalho desenvolvido, e a decorrer, em prol da beneficiação das condições habitacionais de milhares de moradores mal alojados. Poucos dias depois, alguns arquitectos de Lisboa e do Porto, ligados às brigadas de apoio local ou aos serviços de suporte administrativo, iniciavam uma troca de correspondência para sistematizar a recolha de dados que quantificassem o trabalho produzido e os resultados obtidos. Muito pouco tempo depois, era publicado o Livro Branco do SAAL 1974-1976. Esses dados, rigorosamente compilados, dizem respeito, portanto, a um ponto de situação quantitativo, feito no momento, constituem um esforço de levantamento de uma actividade que, para além de muito disseminada por cada uma das áreas de intervenção, estava eivada de pequenos problemas, que se desdobravam em heterogeneidades, e que muito dificultavam a recolha sistemática. O trabalho de projecto, que correspondia a uma das mais objectivas finalidades do SAAL, estava ainda a decorrer, ou mesmo, em muitas das operações, a iniciar. Se já se tornava difícil proceder à sua recolha, era impensável propôr a sua avaliação.

 

No  rescaldo do golpe militar de 25 de Abril, a 16 de Maio de 1974, Nuno Portas foi nomeado Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo do 1º. Governo Provisório. Sobressaía, no seu discurso, o profundo conhecimento que tinha da realidade do país: falava na resolução imediata do problema da habitação, falava na criação de "brigadas de urbanismo activo" para descentralizar os serviços e contornar a burocracia, ainda teimosamente "colada" às instituições. Mas sentia-se, também, a configuração teórica da experiência que, por todo o mundo e em contextos de maior ou menor paralelismo, fora sendo acumulada ao longo da última década. Experiências muito vivas e, nalguns casos, servidas ainda a quente, no ardor do deslumbrado quotidiano revolucionário. Dois meses e meio depois, a 31 de Julho de 1974, saía o Despacho conjunto dos Ministérios do Equipamento Social e Ambiente e da Administração Interna, que instituía o Serviço de Apoio Ambulatório Local — SAAL.

 

Criado com o intuito de dar apoio às populações que se encontravam alojadas em situações precárias, o SAAL surgiu como um serviço descentralizado que, através do suporte projectual e técnico dado pelas brigadas que actuavam nos bairros degradados, foi construindo novas casas e novas infraestruturas, foi oferecendo melhores condições habitacionais às populações mais carentes. A manutenção, tanto quanto possível, das novas habitações nos mesmos locais era uma premissa essencial do Despacho, que assim salvaguardava as tentações de realizar operações dissimuladas de especulação, que tinham como consequência inevitável a compulsiva deslocação dos moradores para áreas mais periféricas. Se, por um lado, dada a situação expectante em que se encontrava o país e a sociedade, se pode considerar a produção que se seguiu como a expressão mais coerente de uma “Arquitectura do 25 de Abril”, por outro lado, a pronta resposta dada pelos arquitectos e pelas equipas de projecto em geral correspondeu, pelos conteúdos metodológicos inusitados e pela própria qualidade de muitos dos exemplos construídos, a um dos períodos da nossa cultura arquitectónica recente mais debatidos e referenciados em todo o mundo.

 

Quando, a 27 de Outubro de 1976, saíu o Despacho ministerial que “deslocava” a tutela do SAAL para as Autarquias, estavam em actividade 169 operações em todo o país, que envolviam 41 665 famílias de moradores pobres. Em construção, estavam 2 259 fogos e estava  iminente  o arranque de mais 5 741. Sintomaticamente, porém, só 13% da totalidade dos solos necessários para essas intervenções estava disponível, cedido ou expropriado. Objectivamente, não houve nenhuma operação que tivesse sido finalizada no período de vigência do SAAL, enquanto serviço da administração central, ou seja, entre Agosto de 1974 e Outubro de 1976. Todas foram, portanto, alvo de métodos de adaptação administrativa e processual que, nalguns casos, chegaram mesmo a inverter, ou a anular, as formulações anteriores. Muitas operações mudaram o local de intervenção, outras mudaram de equipa e de projecto, outras seguiram os mesmos projectos sem o acompanhamento das equipas que os tinham elaborado, outras, pura e simplesmente, acabaram.

 

A Arquitectura do processo SAAL deve ser entendida à luz de toda a sua dinâmica processual e, para além disso, preesupõe que o próprio ponto de vista do observador não seja estático, ou seja, não se vincule demasiado a qualquer um dos esteios socialmente instituídos da crítica arquitectónica para, desde esse ponto, estabelecer coordenadas. Tal como o próprio SAAL, a Arquitectura produzida no seu seio deve também ser compreendida como um processo inclusivo, que contém modelos, concepção, participação, construção, revezes, oposições, ataques, louvores, divulgação internacional, apropriações, transformações, integração urbana e, porque não, o desaparecimento.


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