Resposta Antes de responder a esta pergunta, quero fazer dois reparos: 1- É verdade que nos tempos que correm se discute bastante a necessidade de uma literacia científica. No entanto, infelizmente, é também nos tempos que correm que, sistematicamente, nos deparamos com comentários na televisão ou em alguns jornais a dizer (ao estilo do "orgulhosamente sós") que não percebem nada do que é "isso da internet" ou essa "coisa" dos genes e do genoma. Isto não deveria ser motivo de orgulho ou de brincadeira, mas sim de vergonha porque, quem costuma fazer estes comentários são, em geral, pessoas que poderiam perfeitamente gastar 2 ou 3 contos para comprar um livro de divulgação sobre esses temas. Hoje em dia, felizmente, não faltam bons livros de divulgação de ciência. 2- Também nunca se falou tanto de astrologia na televisão como hoje. Fala-se na astrologia e em 6º sentidos (!!!), etc, como se fosse algo de absoluto e indiscutível. Se a astrologia tem a mínima probabilidade de acertar, como é que é possível que ninguém, em particular astrólogos ou cartomantes, tenha sido capaz de prever a catástrofe do passado dia 11 de Setembro? Já nem falo das 6000 ou 7000 mortes, mas sim do marco histórico que esse dia foi. Se a astrologia fosse uma ciência, o facto de ninguém ter previsto o "11 de Setembro" (a não ser os próprios autores) deveria ter servido como prova definitiva que a astrologia, a cartomância, e outras coisas do género não podem estar correctas: em ciência, chamamos a isto uma "experiência controle". Posto isto, podemos então responder à pergunta propriamente dita. Que ideia é que eu gostaria que a população partilhassde sobre a ciência? A ciência é uma actividade humana (como é a arte, a literatura, entre outras). Como tal, tem os seus problemas inerentes. No entanto, nos tempos que correm (em especial desde meados do século XX), a ciência deveria ser considerada como essencial para a democracia. Como é que posso decidir se apoio o aborto ou se apoio a clonagem se não souber o que é? Como é que posso saber se quero que um filho meu aprenda na escola que os seres humanos evoluiram de um animal parecido com o macaco há 4 milhões de anos, se não souber da profundidade e das implicações ou causas disso? Este problema é real: em alguns estados dos EUA é proibido ensinar a Teoria da Evolução de Darwin nas escolas. Noutros estados é obrigatório dedicar tanto tempo a essa teoria como à versão que aparece na Bíblia. Estamos a falar de vários estados do (suposto) país mais avançado do mundo, de leis aprovadas em Senado. Na ex-união soviética também encontramos casos desses: durante um longo período a genética foi banida e proibida. O objectivo da ciência é tentar compreender melhor o nosso Universo. Mesmo que nos pareça que alguns desses conhecimentos não vão servir para algo concreto. Um dia talvez sirvam. Por exemplo, quem inventou o LASER não tinha a ideia da utilidade daquilo. Hoje são utilizados na medicina, nos leitores de CDs, etc, bem como em salas de espectáculo. Se entendermos a palavra "ciência" como englobando também a "tecnologia", então um outro objectivo da Ciência é também resolver problemas: é o caso da Medicina, das diversas engenharias, etc.. Se quero pagar o mínimo de impostos possível, tenho que saber preencher bem a minha declaração de IRS. Não preciso de ser advogado para saber que sou obrigado, por lei, a tal. Não preciso de ser historiador para saber o que foi e qual a importância da revolução francesa. Do mesmo modo, para se viver em pleno a cidadania e a democracia, temos que saber um mínimo de ciência e da sua utilidade para podermos tomar decisões. Hoje em dia temos um ou dois jornais que dedicam uma ou mais página todos os dias à ciência. Ainda por cima esses jornais estão disponíveis grátis na internet. Já não há desculpas (pelo menos em Portugal). Do outro lado, é claro, tem de haver um esforço da comunidade científica para passar a sua mensagem para o resto da população. É a função do "Ciência Viva" ou deste consultório científico. Um outro aspecto a reter em relação ao que é a ciência é o facto de a comunidade científica ser verdadeiramente uma comunidade internacional. Quase todos os países do mundo têm pessoas que contribuem com as suas descobertas. Portugal não é excepção. Será que a ciência acerta sempre? Por engano ou não, há muita coisa errada em ciência; no entanto a própria ciência tem mecanismos de prevenir isso ou de corrigir através de uma cuidada selecção do que é aceitável nas diversas revistas científicas da especialidade com "juris" de cada especialidade. Quanto a este aspecto dos "referees" (juris) recomendo vivamente a leitura do livro de Jorge Buescu publicado pela Gradiva intitulado "O mistério do bilhete de identidade e outras histórias", em especial o prefácio e o último capítulo. Muito ficou por dizer, mas esta resposta já vai longa. Espero ter ajudado.