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Divulgação de Ciência e Tecnologia

dezembro 2012

nº 2

ERC Starting Grants: Portugal na rota dos grandes desafios científicos mundiais

Este artigo é sobre sete cientistas portugueses que obtiveram um prestigiante financiamento europeu para desenvolver os seus projetos. As respostas que procuram poderão mudar o mundo tal como hoje o conhecemos. Como? Reforçando o combate ao cancro através de um instrumento de diagnóstico precoce e não invasivo; compreendendo a resistência de certas bactérias aos antibióticos; “trocando as voltas” ao parasita da malária para que este se torne um micro- organismo não causador de doença; acelerando a regeneração de tecidos e órgãos humanos com recurso às tecnologias nano; vencendo desafios que diariamente complicam a vida aos fornecedores de serviços de “cloud-computing”; melhorando a produtividade em processos industriais que envolvem instabilidades elásticas; analisando o efeito das crises bancárias sobre a economia real.

Das Ciências da Saúde à Computação, passando pela Física e pela Economia, são diversas as áreas contempladas em 2012 com as bolsas “Starting Grants” atribuídas pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, European Research Council) a cientistas portugueses.

Sete projetos de “ponta” conhecem assim novo fôlego, dotados com um financiamento que faz a diferença: entre um e dois milhões de euros.

Os protagonistas desta história com “final feliz” são três mulheres e quatro homens, na faixa etária entre os 37 e os 44 anos, com formação superior inicial em Biologia, Química Aplicada, Ciências Farmacêuticas, Bioquímica, Engenharia Informática e de Computadores, Engenharia Química e Gestão.

Especializaram-se depois em domínios concretos, enveredaram por uma carreira de investigação e são hoje coordenadores de projetos de reconhecida notoriedade no campo disciplinar em que operam.

Foi nessa qualidade que submeteram o seu trabalho ao último concurso aberto pelo European Research Council (ERC), importante entidade financiadora do sistema científico europeu que tem vindo a trazer boas notícias à comunidade científica portuguesa, tanto ao nível das bolsas “Starting Grants” como numa outra modalidade de apoio destinada a investigadores com um perfil mais sénior, as “Advanced Grants”.

Desde 2007 até 2012, um total de 24 cientistas lusos obteve financiamento ERC (seis “Advanced Grants” e 18 “Starting Grants”). Até à atualidade, o ano com maior expressão tinha sido 2010, com um total de sete projetos apoiados. Recorde esse que foi agora igualado.

Novas ideias precisam-se, para competir numa economia de conhecimento global.

E é por essa razão que o investimento na nova geração de cientistas deve ser uma das prioridades da política europeia, lê-se no comunicado de imprensa produzido pelo ERC a propósito da divulgação das mais recentes “Starting Grants”.

A investigação de ponta, aquela que procura respostas que ultrapassam os limites do conhecimento atual, trará a médio ou longo prazo mudanças efetivas na vida das pessoas. Algumas áreas de estudo tornam essa aplicabilidade mais perceptível ao comum dos cidadãos, como é o caso das Ciências da Saúde.

Novas ideias para competir numa economia de conhecimento à escala global, é esse o espírito. E novas ideias que passam por atrair e fixar na Europa “os melhores dos melhores”.

Quem são então “os melhores dos melhores” identificados em Portugal, este ano, pelo ERC? E quais as respostas que procuram nos dias passados em laboratório, dirigindo equipas, analisando resultados?

Maria Mota trabalha no Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Universidade de Lisboa. Coordena 15 pessoas num projeto sobre doenças infecciosas. Os resultados esperados deverão traduzir-se numa estratégia anti-malária nova e “out of the box”.

[Foto] Imagem do trabalho de Maria Mota
Imagem do trabalho de Maria Mota © Maria Mota

À FCT Newsletter, explicou: “De uma forma geral, os parasitologistas propõem inibir algo no parasita a fim de matá-lo. Em vez disso, nós propomos agora ativar a via ou vias usadas pelos parasitas para responder a condições de baixo teor nutricional, o que leva a uma redução marcante e significativa das taxas de replicação dos parasitas. Por outras palavras, ativar o parasita para se tornar um micro-organismo não causador de doença. (…) tal linha de ataque pode certamente superar resistência aos medicamentos, um dos problemas principais enfrentados no combate às doenças infecciosas”.

No Departamento de Engenharia Química da Universidade do Porto, Manuel Alves dedica-se ao projeto “Elastic Turbulence”, que tem por objetivo identificar “os mecanismos que conduzem ao aparecimento de diferentes níveis de instabilidades em escoamentos microscópicos de líquidos de reologia complexa, tais como soluções poliméricas, detergentes e sangue”.

As conclusões esperadas deste trabalho a cinco anos, e que envolve outros quatro investigadores, por si coordenados, terão impacto em determinados processos industriais ao nível da produtividade, a partir do momento em que se possa evitar ou prever, através de programas computacionais, o estado físico de “turbulência elástica”.

Estas “instabilidades elásticas”, observa Manuel Alves, podem até ser favoráveis e desejáveis em algumas situações, como por exemplo no desenvolvimento de microdispositivos para mistura eficiente de reagentes, para aumentar taxas de transferência de calor ou de massa ou ainda para a produção de emulsões com propriedades otimizadas.

No projeto desenvolvido por Mariana Pinho, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da Universidade Nova de Lisboa, estudam-se aspectos que podem no futuro revelar-se muito úteis para a determinação do modo de ação de novos antibióticos.

[Foto] Imagem do trabalho de Mariana pinho
Imagem do trabalho de Mariana Pinho © Mariana Pinho

O objetivo desta equipa constituída por nove elementos é perceber como é que as “maquinarias” responsáveis pela síntese da superfície das bactérias se localizam corretamente na célula, de modo a assegurar uma estrutura correta, necessária para as bactérias resistirem aos antibióticos e escaparem ao sistema imunitário.

O estudo coordenado por Mariana Pinho incide em concreto sobre o Staphylococcus aureus, uma bactéria patogénica que causa muitas infecções no meio hospitalar. Nas suas palavras, “um dos principais problemas associados a esta bactéria é a sua resistência a variados antibióticos, razão pela qual as infecções podem ser tão difíceis de tratar”.

Nos EUA estas infecções causam atualmente mais mortes do que a SIDA e a tuberculose em conjunto. Por seu lado, Portugal é um dos países da Europa com percentagens mais elevadas de estirpes de Staphylococcus aureus resistentes aos antibióticos.

Especializado em Bioengenharia, Lino Ferreira desenvolve no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra um projeto cujos resultados abrirão novas possibilidades no campo da Medicina Regenerativa. Sob sua coordenação trabalham 20 pessoas.

À FCT Newsletter, sintetiza assim o seu trabalho: “Em determinadas situações de doença, a resposta do corpo humano é relativamente lenta. Isso torna pouco eficaz a regeneração dos tecidos afetados. Por exemplo, após um enfarte do miocárdio, é pequena a capacidade de o coração humano regenerar o tecido que morreu após isquémia. As nanotecnologias que serão desenvolvidas no projeto serão importantes para controlar a atividade e identidade celulares em situações de emergência. Talvez um dia possam ser utilizadas como terapêutica para acelerar e tornar mais eficiente o processo de regeneração de tecidos e órgãos”.

A batalha contra as doenças cancerígenas trava-se todos os dias no Instituto Superior de Engenharia do Porto, onde 12 investigadores dirigidos por Maria Goreti Ferreira Sales concentram esforços num “novo conceito de deteção, diagnóstico e monitorização do cancro”.

[Foto] Imagem do trabalho de Maria Sales
Imagem do trabalho de Maria Sales: eléctrodos convencionais de células solares. © Maria Sales

À FCT Newsletter, a cientista notou que o diagnóstico precoce é considerado uma ferramenta crucial para combater aquela que continua a ser uma das maiores preocupações mundiais de saúde pública. Por esse motivo, a monitorização de biomoléculas que possam indicar a presença ou progressão de doença cancerígena poderá ser uma abordagem eficaz.

“No entanto, essa via está ainda longe de ser uma realidade, devido à inexistência de um instrumento que assegure uma utilização autónoma, portátil e de baixo custo. Uma vez desenvolvido esse dispositivo, o diagnóstico precoce do cancro estará muito mais facilitado, tanto para o doente, por se tornar não invasivo, como para a sociedade, em termos de custos e de abrangência da população em rastreios. Além disso, esse instrumento conduzirá a uma revolução no diagnóstico clínico, abrindo portas para um novo conceito de análise bioquímica”.

Em Lisboa, no Centro de Informática e Tecnologias da Informação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, Rodrigo Rodrigues dedica os seus dias à “computação em nuvem” (ou “cloud computing”), um novo paradigma de organização dos sistemas informáticos em que as empresas e organizações transferem parte da sua infraestrutura computacional para um fornecedor externo.

Os objetivos desta investigação, na qual trabalham mais sete elementos, podem dividir-se em dois vetores principais, explicita o cientista. “Por um lado, queremos lançar novas fundações para descrever, analisar e construir sistemas distribuídos. Este novo conhecimento fundamental poderá ter um efeito no médio e longo prazo se vier a ser utilizado pelos responsáveis pela construção de sistemas distribuídos. Por outro lado, a nossa investigação pretende encontrar soluções concretas para desafios que neste momento são enfrentados pelos fornecedores de serviços de "cloud computing", soluções essas que poderão vir a influenciar ou mesmo a ser adotadas na conceção de infraestruturas de suporte a estes serviços”.

Não se move num laboratório, mas tem por “tubo de ensaio” a atualidade económica mundial. Miguel Ferreira, doutorado em Finanças, dedica-se à análise do impacto das crises bancárias na economia real. A equipa que dirige, constituída por mais dois elementos, estuda também as relações estabelecidas entre os bancos universais e as empresas e o modo como estas se refletem no financiamento, investimento e performance da economia real.

No futuro, os resultados do seu projeto deverão tornar as empresas mais resistentes às crises financeiras e às restrições de crédito, adiantou. Os dados que espera obter dentro de cinco anos contribuirão ainda para que “os reguladores possam desenhar políticas de estabilização do sistema financeiro que prevejam os potenciais custos de uma crise para a economia real ao nível do crescimento, investimento e emprego”.

Fronteiras do conhecimento para “pular e avançar” nos próximos 100 anos

Os sete cientistas distinguidos com as bolsas “Starting Grants” do ERC em 2012 identificaram, a pedido da FCT Newsletter, os maiores desafios científicos do século XXI na sua área de especialização científica.

Maria Mota
Área: Doenças Infecciosas/Interação patogénio-hospedeiro
“Um dos maiores desafios científicos no sec. XXI é sem dúvida gerar o conhecimento necessário à construção de novas ferramentas essenciais para o controlo ou erradicação de doenças infeciosas que matam ainda milhões de indivíduos por ano. Dessa forma, eu diria que, na minha área específica de conhecimento, compreender como construir uma vacina/estratégia eficaz capaz ou de matar o parasita da malária ou de o tornar num organismo atenuado incapaz de causar doença é sem dúvida um enorme desafio que temos pela frente”.

"As equações de Navier-Stokes, que descrevem matematicamente o escoamento de fluidos, já são conhecidas há mais de um século. No entanto, devido à não-linearidade destas equações às derivadas parciais, a sua análise teórica é particularmente complexa, e o conhecimento atual sobre turbulência inercial ainda é escasso. O físico teórico Richard Feynman identificou a turbulência como o problema mais importante por solucionar na área da física clássica. Em maio de 2000, o “Clay Mathematics Institute” identificou sete tópicos de particular relevância na área da matemática, e anunciou os prémios “Millennium Prize Problems”, no valor de um milhão de dólares americanos, como recompensa para quem solucione cada um desses problemas. Um dos problemas refere-se à análise das equações de Navier-Stokes, e pretende-se demonstrar, de forma geral, a existência de soluções das mesmas. Em relação à turbulência elástica, que apenas foi descrita pela primeira vez em 2000, o conhecimento atual é mais embrionário, e sem dúvida um desafio importante para as próximas décadas devido à complexidade e não-linearidade das equações constitutivas que descrevem o comportamento reológico dos fluidos viscoelásticos”.
Manuel Alves
Área: Instabilidades no escoamento de fluidos

Mariana Pinho
Área: Microbiologia
“Não me atrevo a fazer previsões a 100 anos, mas penso que o maior desafio das próximas décadas na área em que trabalho será o desenvolvimento de terapias alternativas aos antibióticos, que levem ao desenvolvimento de menor resistência por parte das bactérias. Como, por exemplo, terapias que tenham como objetivo a diminuição da virulência das bactérias (e não a sua morte), facilitando deste modo o trabalho do nosso sistema imunitário no combate a uma infeção”.

"Um dos maiores desafios nesta área é conseguirmos controlar os recursos endógenos oferecidos pelo corpo humano e mobilizá-los, ou alterar a sua identidade, para resolverem situações de doença."
Lino Ferreira
Área: Bioengenharia

Maria Sales
Área: Química Analítica
“Deste século e do anterior: a interface entre os biosensores e a informática/telecomunicações. É extraordinário ter biosensores implantados em CD-Rom comerciais ou associados a telemóveis!”

“Em minha opinião o grande desafio na área dos sistemas distribuídos é conseguir que estes ofereçam níveis de fiabilidade que sejam comparáveis aos que são garantidos por infraestruturas não computacionais, como sejam a rede de eletricidade, o equipamento médico, ou as infraestruturas rodoviárias. Este desafio torna-se cada vez mais importante à medida que algumas instituições basilares da nossa sociedade se tornam cada vez mais dependentes de sistemas computacionais de uma dimensão e complexidade cada vez maior”.
Rodrigo Rodrigues
Área: Sistemas Distribuídos

Miguel Ferreira
Área: Finanças (investidores institucionais, "corporate governance", banca)
“O maior desafio nesta área científica é conseguir explicar alguns “puzzles” existentes. Por exemplo, estudar o prémio obtido por investidores quando investem em ações, bem como o nível e a estrutura de dívida das empresas e as causas e consequências das crises financeiras.”