Newsletter 6 - Crónica Convidada

Newsletter 6 – Crónica Convidada

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Joana Lobo Antunes
Investigadora em Promoção e Administração de Ciência e Tecnologia,
Instituto de Tecnologia Química e Biológica e Centro de Investigação Media e Jornalismo, UNL

O fungagá da microbicharada

A microbiologia que aprendi na faculdade explicava o funcionamento do mundo que acontece para além do que os nossos olhos vêem. Ensinaram-nos que, ao contrário das restantes células, as bacterianas não têm citoesqueleto, a replicação do seu genoma se faz no citoplasma, não têm organelos ou compartimentos celulares, sendo por isso considerados organismos simples por oposição aos superiores, mais complexos e sofisticados.

Passaram 15 anos desde que me licenciei, e quando comecei a visitar o Laboratório de Desenvolvimento Microbiano, liderado pelo Adriano Henriques no Instituto de Tecnologia Química e Biológica para o meu projeto de pós-doc, descobri que os livros que usei na faculdade já de pouco me serviam. Afinal há esqueleto, o DNA é replicado num ponto específico da célula, existem organelos de vários tipos, bem como outros compartimentos celulares. A simplicidade que parecia caracterizar as bactérias é afinal como a abertura da 5ª sinfonia de Beethoven.

Com o avanço da tecnologia conseguimos ver mais, mais pequeno, com mais detalhe. No que toca a bactérias isso significou responder a perguntas que não sabíamos que tínhamos, e a desvendar mistérios que pairavam há anos – como o da esporulação, cujo processo se tem mantido inalterado desde que surgiu há milhões de anos. Os dogmas em que acreditávamos ser o essencial sobre o invisível aos olhos foram caindo com grande ruído e surpresa, até ficarem todos por terra.

Apesar de serem unicelulares as bactérias não gostam de estar sozinhas. Sabemos agora que têm a capacidade de comunicar umas com as outras e de se agruparem de forma ordenada. Muitas vezes começam até a especializar-se, num tipo de organização multicelular que as aproxima muito dos organismos com órgãos e tecidos a sério – mas com a particularidade de poderem recomeçar tudo do zero se for preciso.

Estamos rodeados de bactérias, desde o mais profundo dos Oceanos até às camadas superiores da atmosfera, incluindo à boleia de outros organismos. Na realidade 98% do genoma de um corpo humano não é nosso – para sabermos quem somos é preciso mais que o Human Genome Project, o desafio passou agora para o Human Microbiome Project e o MetaHit, com os quais se espera sequenciar os microorganismos que nos habitam, que são muitos e variados, como compreender o modo e a forma com que estes contribuem para a nossa saúde e doença, num casamento poligâmico mas nem sempre consensual.

A vida na Terra começou com as bactérias e durante três mil milhões de anos foram os seus únicos habitantes. A um certo ponto algumas começaram a incorporar outras, a criar compartimentos internos e passaram a viver em comunidade. Apareceram os organismos multicelulares que haveriam de evoluir nas diferentes espécies segundo a lei da seleção natural. E ainda assim, estes seres unicelulares cujo único desígnio parece ser o de crescer e clonar-se, não apenas continuam cá como constituem a maioria da biomassa do planeta onde também vivemos.

Este é o planeta das bactérias e nós somos apenas um dos seus macróbios.