I Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica (1987)
Trinta anos depois
Por Mariano Gago
Cada um terá, da história extraordinária que foi o progresso científico destes trinta anos em Portugal, as suas próprias histórias e as memórias que ajudam a balizar o tempo e a entender as mudanças.
Tempos muito difíceis esses, trinta anos atrás, tanto que não será fácil transmitir o que foi construir instituições científicas novas quase sem recursos, num ambiente pesado e desconfiado, onde se sabia pouco; mas onde germinava também uma geração animada por um furor de mudança e de progresso que se revelaria capaz de superar o subdesenvolvimento dominante.
Contudo, a década de 80 começou a tentar a afirmação da ciência no espaço público que, verdadeiramente só se concretizaria no final da década seguinte. Essa escolha (travar o combate pelo desenvolvimento científico também no espaço público, e portanto torná-lo um combate pela cultura científica) é talvez a maior especificidade do progresso científico em Portugal nessas décadas, já que responde ao problema fundamental que (sabemos hoje) nos era colocado: como criar uma base social alargada em Portugal para o desenvolvimento científico, muito antes desse desenvolvimento poder ter frutos, e numa sociedade com baixíssimos índices educativos e carências sociais gritantes?
Poucos momentos colectivos terão tido essa qualidade rara de ficarem na memória como fundadores de um período quase ininterrupto de desenvolvimento. As Jornadas de Investigação Científica de 1987 foram possivelmente um desses momentos.
De certa maneira, o desenvolvimento científico ocupou progressivamente o lugar de uma esperança de futuro colectiva, embora longínqua, nas décadas que se sucederam à revolução de 1974. Nele convergiram talvez o novo sentimento de modernidade aliado à abertura internacional (contra o isolamento anterior); a procura generalizada de uma vida melhor, através de uma melhor repartição de recursos e de um Estado social no qual a educação, verdadeiro veículo de mobilidade social, assumiu papel preponderante; e a afirmação cultural, escolar, profissional e política das mulheres, vector essencial do nosso desenvolvimento científico dos últimos anos. A Universidade foi o local obrigatório de combate para a autonomização de instituições, grupos e lideranças científicas que queriam adoptar critérios de qualidade e de relevância internacionalmente aceites, contra o stato quo das estruturas e das hierarquias, e da impossibilidade de avaliação independente. Os congressos científicos foram, possivelmente, um dos grandes instrumentos de organização da solidariedade internacional sem a qual, nunca é demais dizê-lo, a saída do subdesenvolvimento talvez nunca tivesse sido possível.
As memórias começam por ser pessoais, bem sei. Recordo 1981 e a primeira grande Conferência Internacional de Física das Partículas em Portugal e a exposição De Que São Feitas as coisas?, para o grande público. A criação de instituições novas. A adesão de Portugal ao CERN (em 1985). E, naturalmente, as Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica (1987) e o subsequente lançamento do Programa Mobilizador da Ciência e da Tecnologia (1987-1988) com a apresentação pública de propostas de projectos de investigação. Em 1990, a esperança e a força colectivas adquiridas na década que acabava permitiriam mesmo escrever um Programa (o Manifesto para a Ciência em Portugal).
As Jornadas de 1987 tinham como objectivo a mobilização da comunidade científica “moderna” para um projecto de longo prazo de superação do nosso secular atraso científico. Mas queriam também mostrar essa mobilização da comunidade científica à vista de todo o País e suscitar a curiosidade e surpresa da imprensa estrangeira. Centenas de cientistas portugueses, a maioria ainda muito novos, eram capazes de juntar gerações, e de propor com ambição, para si mesmos e para os anos que se seguiriam, programas detalhados de desenvolvimento, área a área, adoptando critérios de exigência e de qualidade novos mas que nos pareciam os únicos aceitáveis, normais.
Poucos momentos colectivos terão tido essa qualidade rara de ficarem na memória como fundadores de um período quase ininterrupto de desenvolvimento. As Jornadas de Investigação Científica de 1987 foram possivelmente um desses momentos. E embora os textos, as imagens, as notícias e as deficientes gravações e registos que começam a reunir-se agora possam ajudar a explicar o seu significado e impacto, nada dispensa, enquanto a maioria (mas não todos infelizmente) dos seus protagonistas vive e ainda está activa, o recurso também ao registo dos seus depoimentos.
Resta-me saudar a FCT, herdeira directa da antiga JNICT, instituições chave para a compreensão do extraordinário progresso científico português das últimas décadas. Parabéns!