As muitas formas da água na arquitectura da freguesia da Misericórdia, bem no centro de Lisboa
Numa esquina da Rua da Boavista com a Travessa do Marquês de Sampaio, e quase sem se dar por ele, existe um elemento arquitectónico recolhido sob a fachada de um prédio. Muita gente passa por ali, mas poucos serão os que se deterão para o contemplar. No entanto, está ali há já quase três séculos e meio. Da Bica dos Olhos, bela construção em mármore onde se pode ler a data da sua edificação (1675), já não corre água há algum tempo, contribuindo assim para sublinhar um carácter quase anónimo deste fontanário. Isto apesar de abaixo daquela indicação cronológica constar o seguinte dizer: “He obrigado o dono desta propriedade a conservar esta Bica sempre corrente e à sua conta”. Isso foi o que estipulou a Câmara Municipal de Lisboa em 1709, quando a fonte foi transplantada para a sua actual localização, vinda da “Bica do Belo”, ali perto. Apesar da mudança, mantinha-se a tradição de ali ir lavar as vistas antes do nascer do sol, “para melhorar a visão ou curar outa maleita dos olhos”. Esta história é contada no livro “Arquitectura da Água na Freguesia da Misericórdia”, lançado há poucas semanas e de distribuição gratuita.
Publicada pela Junta de Freguesia da Misericórdia, a obra de Paulo Figueiredo traça um perfil da importância da água, não apenas para aquele território – que abrange bairros icónicos, como o Príncipe Real, o Cais do Sodré, o Bairro Alto e a Bica – mas também para toda a capital portuguesa. E isso inclui falar de infraestruturas tão relevantes para a cidade, como o Reservatório da Patriarcal, no Princípe Real, concluído em 1864, ou de equipamentos de uso mais localizado, como o Chafariz de São Paulo (1849) e o Lago da Praça das Flores (1859), e até daqueles que não serão assim tão notáveis, como é o caso do chafariz de uma bica, construído em 1930, no alto da Calçada de Salvador Correia de Sá. Mas, para além da arquitectura relacionada com o abastecimento de água à população, o livro também aborda questões tão essenciais quanto os balneários públicos - gradualmente indispensáveis, tanto quanto o determinaria a evolução dos padrões de salubridade – ou a actividade de mergulhos lúdicos na zona ribeirinha do Tejo. A obra está disponível na sede da Junta de Freguesia da Misericórdia.